sábado, 23 de abril de 2011

Crônica: do Amor eterno

Apenas uma pequena homenagem para o Dia Mundial do Livro. Espero que gostem.

Medeia




Como a maioria das suas experiências pessoais, aquele era um sentimento que lhe dava aquela sensação de completude. A escolha intuitiva, sem um critério racional, apenas porque aquele indivíduo lhe era atraente e ela se sentia impelida a tê-lo, mas não possuí-lo em sua totalidade. Porque sabia não ser capaz de compreendê-lo em todas as suas nuances, ou captar todos os detalhes que o compunham. Decifra-me ou devoro-te. Gostava de saber que sempre teria um quê de mistério para ela, aquele algo novo que a manteria curiosa e viva.

Não sabia exatamente quando surgira aquela paixão. Não, não era somente paixão, o fogo que consome instantaneamente, mas Amor verdadeiro, daqueles que exigem dedicação integral - por toda a vida.

Talvez tivesse começado com ciúmes infantil ao ver a própria mãe tão enlevada por aquele sentimento até então incompreensível para ela. Todavia, não era um amor egoísta, daqueles que o privam da sua individualidade, mas aquele sentimento tão grande que não cabe na própria vida e que precisa ser dividido com os outros. E ela se lembrava bem de quando sua mãe a segurava no colo, parecendo tão tranquila e feliz, apenas porque sabia que podia dividir com ela a fascinação daquele primeiro e verdadeiro Amor.

Anos depois ela se daria conta do quão sensorial era aquele ritual: o deslizar de seus dedos infantis e inábeis pelas capas coloridas, imaginando o que aqueles desenhos queriam dizer. Depois a voz sempre calma de sua mãe, narrando peripécias de crianças que - curiosas como ela própria - viviam as mais fantasiosas aventuras. Também havia o cheiro daquelas páginas impregnadas de magia, como se pudesse sentir o aroma de bosques e castelos - até mesmo o da casa de doces que atraiu João e Maria. E seu olhar sempre atento, sempre ansioso, tentando compreender o fascínio daquelas letras desenhadas que continham o universo.

Anos depois ela repetiria o mesmo ritual de sua infância, mas agora como a Iniciadora naquela cerimônia tão simples e tão profunda. Seus dedos longos e pálidos deslizariam por aquelas páginas amareladas, carregadas de história (ela ria do trocadilho não intencional), como se aquele contato fosse o fio de Ariadne que a conduzisse através de labirintos novos - ela nunca tinha medo de se perder ali. Iria encantar outros com sua voz sussurrante, tal qual um feitiço, narrando os feitos de heróis tão jovens quanto aqueles que a observavam com o mesmo fascínio infanfil de quando era mais jovem.

Um comentário:

Jorge Leberg disse...

Depois comento a crônica, ainda a lerei. Venho aqui avisar que indiquei este blog a um selo de qualidade, vocês merecem:

http://jorge-leberg.livejournal.com/98187.html

Abração!