Segundo romance do autor brasileiro Graciliano Ramos, São Bernardo (1934) narra a história de Paulo Honório, homem ambicioso que não mede esforços para conseguir a fazenda São Bernardo e ser bem sucedido em sua empreitada. Um dos aspectos centrais neste romance é a questão temporal, o modo como o protagonista lida com o tempo para alcançar o seu objetivo - e que eu, Medeia, gostaria de dividir com vocês neste post. Acredito que é uma maneira interessante de se caracterizar um personagem, e Graciliano é mestre em fazer isso através de fatores externos ao(s) personagem(ns), não só neste romance, mas em outras obras também.
Daqui em diante teremos spoilers do romance.
A manipulação através do tempo e a velocidade enérgica constituem o caráter transformador de Paulo Honório. Logo nos capítulos iniciais do romance, o protagonista apresenta o seu desejo obsessivo de possuir São Bernardo. A falta de detalhes para esse desejo, o modo como surgiu essa ambição em relação à propriedade, sob a perspectiva do personagem, nos mostra que o objetivo em si é o que motiva Paulo Honório, corroborando assim com o título do romance. Para tal, a marcação temporal precisa e impiedosa é como a contagem regressiva para alcançar este intento. Tempo é dinheiro, e a marcação temporal sempre vem acompanhada do pensamento no lucro e/ou na quantia a ser gasta nesse processo.
Observamos esta contagem cronológica minuciosa no momento em que Paulo Honório narra como começou a se aproximar de Padilha para conseguir a fazenda São Bernardo. O curto espaço de tempo imposto pelo personagem evidencia a fixação em seu objetivo, dando-lhe a certeza de seu sucesso ao observar o espírito influenciável de Padilha: "aperrei meia hora e percebi que o rapaz era pexote e estava sendo roubado descaradamente" e "Travei amizade com ele e em dois meses emprestei-lhe dois contos de réis [...] Vi essas maluquices bastante satisfeito, e quando um dia, de novo quebrado, ele me veio convidar para São João, afrouxei mais quinhentos mil-réis".
Outro momento em que notamos a objetividade de Paulo Honório associado ao tempo cronológico pode ser encontrado na cena em que o protagonista expressa o desejo de se casar: "Amanheci um dia pensando em casar". Nota-se que não há um planejamento proveniente de um relacionamento amoroso, mas sim mais um negócio com o intuito de expandir o seu poder pelo capital. O amor, para Paulo Honório, representa uma forma de ser governado/dominado por outrem, ou de não possuir o poder de propriedade sobre a mulher. Este aspecto também é evidenciado no relacionamento com Madalena, quando o protagonista apercebe-se da sua incapacidade de controle sobre a esposa, também perdendo o controle rígido através do relógio: "À medida porém que as horas passavam, sentia-se cair num estado de perplexidade e covardia [...]. O relógio tinha parado, mas julgo que dormi horas".
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