quarta-feira, 6 de abril de 2011

Belas e infiéis: Algumas considerações sobre Tradução Literária

Ainda sou uma novata na área de tradução, ainda nesse princípio de vivência do que é realmente ser uma tradutora, mas tenho lido e estudado um bocado sobre o assunto, tentando apreender ao máximo qualquer coisa que possa me ajudar a ser competente - porque acreditem, as críticas a quem trabalha na área são ferozes, principalmente por quem é leigo no assunto.

É uma verdade universalmente conhecida que quase todo leitor, ao ler a tradução de uma obra que já foi lida por ele na língua original, vai criticar o trabalho do tradutor/a - e na esmagadora maioria das vezes negativamente. Porque ter feito um curso de idiomas por alguns anos é o suficiente para te dar conhecimento suficiente sobre a língua estrangeira e, claro, criticar o tradutor daquela obra literária tão adorada e que foi lesada ao ser traduzida para a sua própria língua.


Caros leitores e leitoras, perdoem o linguajar pouco machadiano, mas vou contar uma coisa: o buraco é mais em baixo.
Diversos fatores influenciam uma tradução literária - que vão desde a vivência pessoal do tradutor até a parte mais técnica, ligada à revisão e edição do texto traduzido. O livro editado, aquele que está nas prateleiras das livrarias e lojas, não é o mesmo material enviado pelo tradutor à editora. Então guardem suas pedras, engulam as suas ofensas. Nem sempre a "culpa" é deste profissional. 
Claro que também não posso isentar o/a tradutor(a) pelos erros que são encontrados em suas traduções. Os erros existem sim. Como humanos que somos (assumindo aqui também as minhas falhas), a perfeição está longe de ser alcançada.
O tradutor nem sempre é capaz de “decodificar” todos os significados do texto de origem, pois as possíveis mensagens que estão ali variam de acordo com a leitura feita, que deve ser ativa quando o leitor toma parte neste processo e atribui significação ao que lê. Cada tradutor vai ter uma leitura diferente de um mesmo texto, por exemplo, pois este processo não é definitivo, sempre dando margem para novas interpretações do leitor-tradutor.
Existe uma estratégia de tradução, aquele algo que faz toda a diferença no trabalho do tradutor: a leitura crítica antes de tudo. 
Oh, achou que fosse algo extraordinário?


A tradução nada mais é do que a interpretação do texto na sua língua de origem e a tentativa de recriação daquele conteúdo na língua alvo, aquela em que a tradução será feita. Uma leitura crítica do texto a ser traduzido e a sua posterior compreensão e análise são de fundamental importância na prática do tradutor literário, pois é a sua interpretação o que vai determinar as suas escolhas para recriar toda uma gama de significações na sua tradução. Se eu faço uma leitura inadequada (não gosto de usar o termo "errada" aqui), obviamente isso influenciará a minha tradução daquele texto.


Em suma: leia. 


Leia muito, leia de tudo, realmente leia. Seja um leitor, não um "ledor". Procure tentar compreender o mecanismo da linguagem do texto a ser traduzido, tente captar o estilo do autor, o que é recorrente, o que deve ser preservado, qual o efeito que aquele texto te causa na leitura de sua versão original e como aquilo te afetaria se fosse escrito na sua própria língua.
A heterogenia é própria da linguagem e formação discursiva, por isso deve ser respeitada na tradução literária, já que envolve duas línguas e duas culturas diferentes. A fidelidade ao texto de origem não significa equivalência, tradução “palavra por palavra”, mas sim a compreensão do texto e tentativa de recriação daquele contexto na língua alvo. Em um longo texto em prosa (romance ou novela) não se nota tanto a perda de ritmo e de significações provenientes de uma má tradução. Contudo, em um poema ou um conto a estruturação da narrativa é sempre mais cuidadosa, pois visa um efeito no leitor que provém, justamente, da maneira como a linguagem é usada.

Quer saber mais sobre o assunto? Dê uma olhada no texto O Grande Guia da Tradução, excelente para quem quer saber mais sobre o trabalho do tradutor; ou então escute o podcast do Papo na Estante.

2 comentários:

Aline disse...

Artigo perfeito, xará! Parabéns!

Jorge Leberg disse...

Excelente artigo, envolvendo justamente toda aquela problemática sobre tradução que discutimos naquele teu outro post, lembra-se? Ainda bem que possuo uma relativa consciência dos princípios básicos da tradução e dos esforços por parte do profissional da área, com o agravante pra mim e alívio para este, rs, de que não sei ler fluentemente em nenhuma língua estrangeira (embora haja os arranhões além do básico no espanhol, e a tímida maturação do meu inglês graças à facul), portanto não saio jogando pedras nos tradutores.

Você citou a importância relativamente maior da estrutura narrativa e de cada palavra ali colocada (por possuir uma carga semântica mais concentrada e polissêmica), nos textos menores, vide o conto e o poema (este, então, nem se fala, é de uma dificuldade terrível traduzir poemas mantendo o máximo de fidelidade às ideias e sentimentos expressos pelo original sem perder em efeitos rítmicos e estilísticos); mas imagina então aqueles autores, romancistas *terror dos tradutores* que constroem uma prosa extremamente poética, estilisticamente "carregados", como é o caso de um Dostoiévski, de um Joyce, de um Rosa ou de uma Clarice Lispector da vida. Por isso palmas ao Paulo Bezerra e ao Boris Schnaiderman, ambos os maiores tradutores do russo do país e especialistas no Dostô. E Gregory Rabassa, aliás, chegou a comentar que Clarice (ela contou o caso em uma de suas crônicas, falando a respeito, dentre outras coisas, de um encontro com ele nos EUA) era mais difícil de traduzir que Guimarães Rosa, devido à sua sintaxe; ela, bem humorada, na crônica: "sintaxe? Eu lá tenho sintaxe?!". Abração!