domingo, 20 de março de 2011

A velocidade energética em "São Bernardo", de Graciliano Ramos



Segundo romance do autor brasileiro Graciliano Ramos, São Bernardo (1934) narra a história de Paulo Honório, homem ambicioso que não mede esforços para conseguir a fazenda São Bernardo e ser bem sucedido em sua empreitada. Um dos aspectos centrais neste romance é a questão temporal, o modo como o protagonista lida com o tempo para alcançar o seu objetivo - e que eu, Medeia, gostaria de dividir com vocês neste post. Acredito que é uma maneira interessante de se caracterizar um personagem, e Graciliano é mestre em fazer isso através de fatores externos ao(s) personagem(ns), não só neste romance, mas em outras obras também.

Daqui em diante teremos spoilers do romance.




A manipulação através do tempo e a velocidade enérgica constituem o caráter transformador de Paulo Honório. Logo nos capítulos iniciais do romance, o protagonista apresenta o seu desejo obsessivo de possuir São Bernardo. A falta de detalhes para esse desejo, o modo como surgiu essa ambição em relação à propriedade, sob a perspectiva do personagem, nos mostra que o objetivo em si é o que motiva Paulo Honório, corroborando assim com o título do romance. Para tal, a marcação temporal precisa e impiedosa é como a contagem regressiva para alcançar este intento. Tempo é dinheiro, e a marcação temporal sempre vem acompanhada do pensamento no lucro e/ou na quantia a ser gasta nesse processo.

Observamos esta contagem cronológica minuciosa no momento em que Paulo Honório narra como começou a se aproximar de Padilha para conseguir a fazenda São Bernardo. O curto espaço de tempo imposto pelo personagem evidencia a fixação em seu objetivo, dando-lhe a certeza de seu sucesso ao observar o espírito influenciável de Padilha: "aperrei meia hora e percebi que o rapaz era pexote e estava sendo roubado descaradamente" e "Travei amizade com ele e em dois meses emprestei-lhe dois contos de réis [...] Vi essas maluquices bastante satisfeito, e quando um dia, de novo quebrado, ele me veio convidar para São João, afrouxei mais quinhentos mil-réis".

Outro momento em que notamos a objetividade de Paulo Honório associado ao tempo cronológico pode ser encontrado na cena em que o protagonista expressa o desejo de se casar: "Amanheci um dia pensando em casar". Nota-se que não há um planejamento proveniente de um relacionamento amoroso, mas sim mais um negócio com o intuito de expandir o seu poder pelo capital. O amor, para Paulo Honório, representa uma forma de ser governado/dominado por outrem, ou de não possuir o poder de propriedade sobre a mulher. Este aspecto também é evidenciado no relacionamento com Madalena, quando o protagonista apercebe-se da sua incapacidade de controle sobre a esposa, também perdendo o controle rígido através do relógio: "À medida porém que as horas passavam, sentia-se cair num estado de perplexidade e covardia [...]. O relógio tinha parado, mas julgo que dormi horas".

Um comentário:

Jorge Leberg disse...

Deveras, o tempo é de importância fundamental em São Bernardo, talvez mais que em qualquer outra obra do Graciliano. Gostei muito das colocações do teu texto; percebi algumas dessas marcações temporais durante a leitura da obra, estreitamente relacionadas ao modo como ele apreende o mundo, as pessoas e os objetos - ou melhor, tomando as pessoas como objetos, numa relação mediada pelo signo-anseio do "possuir", reificando-as. Um comportamento situado entre os velhos costumes de uma elite agrária (a explicitação de alguns de seus desejos de domínio, à moda antiga), a qual ele não pertence, e o pensamento do novo burguês/capitalista, em cuja classe aspira obsessivamente a se alçar.

Creio que escrevi um pouco a respeito disso, ou pelo menos sobre o espaço em São Bernardo, aqui:
http://jorge-leberg.livejournal.com/65640.html#cutid1